ÁGUA PARA AS CIDADES
Maputo usa, ou deveria usar, 1.800.000 litros de litros de água por dia.
Isto são 18.000 metros cúbicos por dia, que correspondem a um volume com 30 m de comprimento por 30 m de largura por 20 m de altura.
Sem que esta seja água fornecida todos os dias à cidade a população , ou parte dela pelo menos, começa a morrer por desidratação... o que parece não ser, ainda e felizmente, o caso.
Mas beber água não chega para sobreviver.
É necessário cozinhar, lavar roupa, lavar o carro, regar as machambas, os quintais e os jardins, produzir Coca-Cola (e outra água suja...) e fornecer as industrias, construir edifícios e ruas, dar de beber aos animais, lavar os vivos e os mortos, etc para o que o valor a considerar deveria ser de uma ordem de cerca de 70 vezes aquela isto é da ordem dos 125.000 m3 se, para todos aqueles usos, nos contentássemos com 100 lt de água por pessoa por dia, que é um valor extremamente baixo para a capitação urbana nos países industrializados.
Essa demanda corresponde a um volume da ordem dos 200m de comprimento por 200 m de largura por 3 m de altura a alimentar, todos os dias do ano, para a cidade do Maputo.
Toda esta água deve ser captada, tratada, bombada, transportada, elevada e distribuída todos os dias e a todas as horas do ano, se pretendermos ter uma qualidade de vida minimamente aceitável, de acordo com parâmetros internacionalmente aceites.
Para as outras cidades do país as contas são igualmente elementares: basta estabelecer as razões de proporcionalidade entre a população do Maputo e a de cada cidade e aplicar o respectivo factor multiplicador e ter-se-á o volume a fornecer para que se garanta a mesma qualidade de vida, no que diz respeito ás necessidades de água mínimas da sua população.
Assim Quelimane, põe exemplo, precisa de cerca de 21.000 m3 diários, isto é um volume de 83 x 83 x 3m de água a fornecer diariamente; a Beira um volume da ordem dos 52.000 m3 ; Nampula um volume da ordem dos 37.000 m3 e uma pequena cidade como Metangula necessita de um volume da ordem dos 1.250 m3 diários ou, visualizando-o, um volume de cerca de 20 x 20 x3 metros de água a fornecer por dia.
Qual o “estado da arte”em relação ao estabelecimento destas capacidades de captação, etc?
Há, para todas as cidades, um plano, pelo menos teórico, para o asseguramento destes volumes?
Têm esses planos um suporte técnico - económico que permita tomar decisões técnico financeiras?
Trazer estes números, e estas questões, a uma audiência de técnicos e especialistas, como os que estão aqui reunidos, é uma ingenuidade quase imperdoável e só me desculpo porque sei que há entre as pessoas aqui presentes algumas que, não sendo técnicos, não têm a noção física e objectiva da dimensão do problema que aqui nos trás.
Por outro lado em discussões muito marcadas pela presença de técnicos especialistas há uma tendência geral de se esquecer a essência do problema dada a complexidade das dimensões técnicas do problema.
Uma vez dimensionado fisicamente o problema interessa agora equaciona-lo em termos políticos.
Qual a responsabilidade do estado em relação ao fornecimento de água á população urbana?
Se partirmos de uma posição mais radical diríamos que a água é um direito de todos os cidadãos e que, como tal lhe deve estar assegurado pela administração pública.
Mas de que água estamos a falar?
Certamente de água limpa e suficiente.
Mas quanta?
Quanta chegue para beber e para todas as outras funções vitais.
Aqui começam já as definições de carácter politico.
Seria, por exemplo, correcto estabelecer-se que há um mínimo necessário, e garantido, acima do qual deve haver uma compensação proporcional ao gasto?
Já se fizeram as contas que permitam estabelecer a viabilidade politico - económica deste sistema de nivelamento de regalias?
Nas investigações que fizemos para avançar com os nossos exercícios de requalificação dos bairros informais do Maputo encontrámos números assustadores, como por exemplo no Bairro do Chamanculo C , onde as pessoas pagam a privados o litro de água 30 vezes mais caro do que eu pago na Polana.
Aliás nesse Bairro, com cerca de 30.000 pessoas, havia 14 fontenários dos quais 9 estavam inoperacionais !
É evidente que as pessoas não dependem dessa forma de abastecimento.... se não morriam á sede.
A pergunta – ingénua certamente - é se não seria possível vender a água, ás mesmas pessoas que agora se abastecem dos privados, a um custo muito mais baixo e assegurando, pelo menos, a cobertura das despesas de construção e operação do sistema ...?
Parece portanto haver , essencialmente, dois problemas:
1. como assegurar os volumes de água que as cidades necessitam...ou deveriam necessitar para assegurar uma vida saudável á população e responder ás necessidades do desenvolvimento económico, e
2. como assegurar que as pessoas paguem o suficiente para estabelecer, operar e desenvolver o sistema de abastecimento?
Pensamos que estes são problemas de natureza técnica e politico–social que não devem ser necessariamente resolvidos pela mesma autoridade, pelo menos nesta fase do desenvolvimento das estruturas administrativas do governo central e dos governos municipais.
Pensamos que enquanto que o abastecimento de água ás cidades é um problema regional e que ultrapassa a capacidade e a jurisdição municipal, o problema da distribuição é claramente um problema local e que só com a organização municipal terá solução.
O problema é , no entanto, de carácter eminentemente politico pois que quem faz as leis e quem estabelece as tarifas não são as pessoas que não podem pagar mas os que já beneficiam dos privilégios, quer por via politica quer por via administrativa, duas vias aliás cada vez menos distintas.
Antes de nos referirmos ao problema do saneamento queremos também referir um aspecto que nos parece não ter tido suficiente atenção por parte das autoridades administrativas e técnicas responsabilizadas pelo abastecimento de água potável ás zonas urbanas: trata-se do papel que deve ter a educação da população das pessoas em relação ao problema da água em geral – como é obtida, transportada, consumida e aproveitada ou esgotada.
Sendo a nossa população urbana ainda de origem predominantemente rural – mesmo aquela que já habita a cidade á gerações – ela não adquiriu, em muitos casos, hábitos e noções “urbanas” no que diz respeito aqueles aspectos.
Temos no entanto experiencias, muito válidas e de eficácia comprovada, no campo do saneamento básico por exemplo que se poderiam reproduzir a custo mínimo e que em muito contribuiriam para um enorme salto quantitativo na qualidade de vida das pessoas sem necessidade de enormes investimentos em infra-estruturas e sua operação e manutenção.
Outras experiencias, de carácter mais tecnológico e que poderão contribuir muito para essa melhoria, como por exemplo as latrinas ecológicas funcionando por desidratação solar das efluentes poderão ter resultados muito positivos se a sua introdução corresponder a campanhas bem organizadas de trabalho com as pessoas para que as aceitem e mantenham em correcto funcionamento.
JOSÉ FORJAZ
2008