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ÉVORA

Faculdade de Arquitetura da Universidade de Évora. Portugal

José Forjaz, Maputo, Outubro de 2015



Pede-me o professor Pedro Pacheco para vos apresentar o trabalho que eu e os meus colaboradores temos vindo a fazer nos últimos 50 anos.

Penso que alguma coisa devo dizer como introdução, explicando quem somos e o nosso processo e maneira de pensar e fazer arquitetura.

Os edifícios, imaginados e construídos, têm dimensões e desempenhos objectivos e mensuráveis que se podem e devem explicar e justificar, tais como a sua função social, o seu comportamento ambiental e a sua adequação funcional.

Têm também dimensões menos quantificáveis, mas não menos decisivas que são, como na música por exemplo, do domínio da intuição e que se regem por regras e valores universais e intemporais como o ritmo, a escala e a proporção.

A arquitetura tem âmbitos e conteúdos que vão do abstracto e subjetivo ao concreto e objectivo, do antropológico ao filosófico e do científico ao tecnológico e que se revelam como justas e essenciais quando se materializam em espaços e formas com valor metafórico, isto é, quando cristalizam poeticamente.

Nos limites de uma apresentação como esta não posso, nem devo, explorar mais do que uma posição pessoal e da nossa equipa de trabalho, que se exprime pelas formas e comportamento dos edifícios que projetamos.

Falarei, portanto, dos nossos projetos com referencia às suas condições e intenções objectivas e não quanto ao seu conteúdo poético que, se a arquitetura é conseguida, dispensa verbalização.

As três dimensões formais que julgo importante considerar quando falo a estudantes e praticantes desta disciplina são, como já referi: a proporção, o ritmo e a escala.

A proporção é, na minha definição, a moral da forma.

O ritmo é, no meu entendimento, a ressonância das leis da forma natural no tempo e na forma criada pelo homem.

A proporção é uma qualidade estática; o ritmo uma disciplina dinâmica.

A escala tem valores diversos conforme as culturas, mas é sempre a relação entre as dimensões imaginadas e as dimensões humanas.

Estas regras, tão universais e intemporais quanto a escala cromática na música, atingem o seu justo valor quando precisamente calibradas à escala do homem.

Os trabalhos que apresento foram concebidos e realizados em função dessas escalas de valor e condicionados pelas condições sociais, técnicas, materiais e económicas de cada projeto.

Na nossa realidade, isto é, nas condições de trabalho num dos países mais pobres e mais tecnologicamente atrasados do mundo, não vos farei ver acrobacias técnicas ou formais, tão sedutoras e invasivas das revistas e da literatura arquitectónica contemporânea.

Pelo contrário, penso que é na coerência com as limitações do meio cultural, social e técnico que o nosso trabalho terá algum valor e que poderá ter alguma relevância apresenta-lo.

Essa coerência atinge-se e manifesta-se por disciplinas de projeto que têm a ver com parâmetros que parece não serem, muitas vezes, atualmente considerados na arquitetura dos meios culturais e tecnológicos dos países chamados desenvolvidos.

Refiro-me, antes de mais, às dimensões da economia: de espaço, dos sistemas construtivos e ambientais, da durabilidade das construções e da operação e manutenção dos edifícios.

O respeito por estas condições de projeto resulta, natural e inevitavelmente, em realizações formalmente económicas, que nada têm a ver com os minimalismos formalistas tão de moda noutros meios e tão insidiosamente contaminantes do nosso.

A prestação ambiental dos edifícios no que diz respeito ao conforto térmico, à economia energética e de água, ao controlo das emissões de CO2 e dos factores de poluição e erosão do meio é outra das condições que consideramos e tentamos resolver nos nossos projetos com a maior simplicidade tecnológica, isto é, através de sistemas preferencialmente passivos.

As condições socioculturais são, inevitavelmente, um factor da maior importância na nossa maneira de projetar.

As características culturais do “cliente”, seja ele individual ou institucional, são, igualmente, uma consideração indispensável ao nosso processo de pensar arquitetura.

A natureza, a qualidade e a quantidade da mão de obra disponível determinam, de várias maneiras, a seleção das tecnologias a prescrever para a realização dos nossos projetos.

2. Falando a alunos de arquitetura penso ser importante desmistificar a moda da celebração dos “heróis”, que é um dos aspectos que mais contamina os ambientes de formação e prática dos arquitetos e a que todos, voluntariamente ou não, estamos sujeitos.

Esta é uma das razões porque dou cada vez mais importância ao conceito de profissão.

Para quem vive a projetar edifícios e a acompanhar-lhes o processo de construção, as horas dos dias, os dias dos meses e os meses dos anos são passados a materializar e transformar segundos de emoção criativa em semanas e meses de trabalho profissional onde intenções de perfeição formal são questionadas sistematicamente, pelas razões mais prosaicas e mais inescapávelmente racionais.

Este confronto entre a natureza intelectual do processo conceptual e a realidade material do processo construtivo cria tensões emocionais e intelectuais que obrigam o arquiteto a um auto questionamento permanente e exaustivo.

Penso que em nenhuma das outras artes há uma tal distância entre a concepção e a materialização das ideias.

Por essa razão somos, nós arquitetos, mais fingidores que os poetas: o edifício, mais que o poema, quando realiza a sua simplicidade, não revela “as dores que deveras sentimos” na sua longa gestação.

Chamo a este processo a perda da inocência.
Aquela mesma inocência a que se refere Picasso quando ambicionava ser capaz, no fim da vida, de desenhar como uma criança ou Hokusai que lamentava a sua morte próxima quando, finalmente, se julgava capaz de desenhar uma folha.

Salva-nos, então, a profissão, esse antídoto eficaz contra o diletantismo, que nos obriga constantemente a mergulhar na realidade da resistência dos materiais, que condiciona as nossas fantasias, contra autoridades municipais que nos impõem regulamentos estúpidos e contra clientes que nos esgotam a paciência.

3. Assim sendo, e com a coragem da dúvida, arrisco passar-vos alguns pensamentos e axiomas, demonstráveis, que têm guiado a nossa maneira de pensar arquitetura:

Arquitetura não é escultura, nem sequer escultura habitável.

A forma não é um ponto de partida mas o resultado de um processo.

Forma não é espaço, embora possa e deva cria-lo.

Espaço é uma categoria social e psicológica.

É, também, uma categoria política e estética.

A procura da dimensão humana no espaço que projeta é a primeira obrigação ética do arquiteto.

A história não oferece somente lições positivas.

Analisada criticamente expõe e demonstra, muitas vezes, os resultados de grandes erros da humanidade, nos quais os arquitetos participaram ... e continuam a participar.

A humanidade atingiu, agora, o momento mais critico da sua história.

O incontrolável crescimento demográfico é um fenómeno que continua sem ser equacionado em termos da distribuição equitativa dos recursos naturais, do espaço, da economia e da técnica.

As formas de ocupação e do estabelecimento da comunidade humana no território devem ser repensadas, pois a escala das cidades e conurbações não resolve, agora, satisfatoriamente, as exigências de uma qualidade de vida digna e justa para a maioria das pessoas do planeta urbanizado.

Simultaneamente a erosão do ecossistema global obriga a rever as relações do homem com o meio ambiente e a pôr a técnica ao serviço de objectivos mais válidos que os da mera gratificação estética ou lúdica das minorias sociais que têm as condições materiais e o tempo para as desfrutar.

A análise dos últimos 40 anos de produção arquitectónica revela um desprezo generalizado e profundo por esta condição da nossa atividade.

Nada mais adequado à caracterização da nossa época do que o aforismo de que se deitou fora o bebé com a água do banho.

A pretendida superação de um funcionalismo e de um racionalismo redutores abriu o caminho da fuga às responsabilidades sociais do arquiteto e a um cinismo acrítico, por conveniente aceitação das regras do neoliberalismo a que não escapa uma classe profissional ao serviço da especulação imobiliária e de estados construtores de novas “pirâmides”, que não servem para nada.

Os sucessos colossais das arquiteturas mais irresponsáveis como em Bilbau, o centro de congressos de Santiago de Compostela, a torre da rádio televisão de Beijing ou as folies paramétricas das múltiplas “hadids” e “liebeskinds”, para citar apenas as mais tragicamente anedóticas, são a prova da alienação generalizada a que se chegou por via de uma incultura, intelectualmente pedante e materialmente oportunista, propagandeada por uma literatura e uma comunicação social que rebaixou a arquitetura ao nível da moda, servindo os mesmos transientes e socialmente irrelevantes objectivos.

Grave é que nas nossas faculdades, isto é, nas faculdades de todo o mundo, ainda se perca tempo a especular sobre tais escatológicas manifestações.

Grave porque apenas o considera-las leva á perda do precioso tempo necessário ao debate e á investigação de temas essenciais e urgentes como são os da economia de meios e de processos, de energia e de tempo e que tão cinicamente são, até, frequentemente, invocados como justificação daquelas mesmas manifestações alienadas.

4. Intendo esta introdução como uma declaração, quase diria uma confissão, de princípios sobre os quais vamos procurando construir os processos e as formas da arquitetura que temos vindo a projetar, com a participação e o estimulo constante dos nossos companheiros de trabalho em todas as disciplinas necessárias ao projeto.

São alguns desses projetos que vou apresentar.

Não pretendo que sejam, todos e cada um, cabalmente coerentes com aqueles princípios.

A contaminação cultural e os condicionalismos de cada situação poderão explicar, mas não justificar, compromissos e erros nossos de enfoque e resolução.

Contudo, desde a Escola de Belas Artes e através de uma longa carreira didática, tenho como indispensável a consideração de que fazer arquitetura é assumir uma responsabilidade social sem, por isso, deixar de se obrigar a satisfazer imperativos emocionais.

Para os mais novos julgo ser importante deixar algum conselho, embora para tal não me sinta merecedor de grande credibilidade.

Parece-me importante alertar-vos para a necessidade de se questionarem, sistematicamente, sobre as vossas soluções espaciais, formais e técnicas em termos da sua validade social, sustentabilidade ambiental, economia de meios construtivos, operativos e de manutenção e, certamente, como contribuição estética para o espaço urbano ou natural onde elas se inserem.

Não pretendo com esta apresentação demonstrar uma inabalável coerência de atitude através deste longo percurso mas, simplesmente, exemplificar que, como qualquer outro, ele é feito de modestos sucessos, menos ou mais conseguidas realizações e uma permanente aprendizagem.

Termino com uma citação do discurso de Mies van der Rohe quando recebeu a Medalha de Ouro do Instituto Americano dos Arquitetos em 1960 e que, lida hoje, põe em causa os próprios termos da relação a que se refere:

“Ao longo de todos estes anos aprendi cada vez mais profundamente que arquitetura não é um jogo de formas.

Compreendi a intima relação entre arquitetura e civilização.

Compreendi que a arquitetura deve brotar das forças da civilização que a guiam e sustentam.
E que ela pode ser, no seu melhor, uma expressão da estrutura interna do seu tempo.”

O mais dramático nesta afirmação é que, trazida aos dias de hoje, nos leva a questionar a justeza e a relevância da civilização e da estrutura interna do nosso tempo...

JOSÉ FORJAZ

2015

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